segunda-feira, 28 de maio de 2012

Um homem árabe para chamar de seu, Um amante berbere - Fri&Addi - Parte 75° " de volta pros meus bracos" - Linda Croácia, canto das cigarras.




http://obviousmag.org/archives/2010/01/um_paraiso_na_terra_-_plitvice_lakes_croacia.html



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foto de 2006

Croácia - antiga Juguslávia para voces poderem se lovalizar melhor.

Descansando na casa de amiga, que era leitora e que agora é presenca inesquecível!

Pela manha

Em passos lentos ando pela casa da Lora.
No momento ela nao está, saiu com o marido, foram ao supermercado.
Eu nao me senti disposta, como sempre, para acompanhá-los e optei em ficar.
Agradeco muito aos dois por terem me dado a chance de visitá-los, ficar com eles e sua família amorosa.
Lora é brasileira, o marido nascido no marrocos, mas de mae croata.

Um dia recebi um pedido no chatbox do blog, ela dizia que gostava muito do meu blog e adoraria se eu aceitasse passar uns dias em sua casa.
A princípio achei um pouco precipitado; por nao conhece-la, e eles a mim, por nao me encontrar em um estado de saúde que fosse me permitir ser uma boa companhia.
Preciso de conforto, tranquilidade, um pouco de solidao, e preciso de boa alimentacao.
Eles me deram tudo isso desde que aqui cheguei.

Por eu nao ter mais a saúde de antes nunca pensei que alguem iria me convidar nem mesmo para ficar um dia, imagina ficar até quando eu quisesse.
Mas, foi exatamente por isso que ela me convidou.

As pessoas gostam de pessoas saudáveis, encantadoras, com disposicao.
Mas, Lora disse que se eu tivesse bem nao precisaria do convite dela para estar em paz, poderia ir aonde eu quisesse... ela percebeu que eu sempre escrevo como estou fraca, cansada.
E quis me presentear com uma estadia, uns dias no seu pequeno mundo encantador.

Sua casa afastada da cidade, um pequeno paraíso cercado de verde intenso, céu azul, passáros, cachoeiras.
Fiquei muito surpresa pois nao costumo receber muito das pessoas, aliás, eu costumava dar mais do que receber alguma coisa...por isso fiquei sem acreditar muito no comeco, mas no final me alegrei e aceitei.
Pensei que ao chegar em sua casa, ela iria me crivar de perguntas.
Pensei que ela queria conhecer a personagem do blog "Amando no Egito" ao vivo, e consequentemente ouvir as histórias da minha vida pessoalmente.

Mas, foi com satisfacao que percebi que pessoa maravilhosa essa moca é, ela é toda sua família, nao me fez nenhuma pergunta, nao me questiona sobre nada - a nao ser se eu preciso de alguma coisa, se estou bem, se tudo me parece confortável.

Eles sao tao amorosos que me sinto todo o tempo receiosa, pessoas como eles nao quero ferir nunca, nao sei receber as coisas das pessoas, nao estou acostumada a receber "gratis e com carinho" alguma coisa pro meu benefício.
Fico sem saber como agir diante do novo, de como tratar a situacao.
Tudo se torna tao valioso para mim que desejo me afastar e salvar dentro do meu coracao em formato de lembrancas.
O medo de o tempo comer, corroer as relacoes me toma as vezes.

Por isso, nao quero ficar muito tempo por aqui, apesar que confesso me fez muito bem.
No momento que já comecei a planejar a voltar, pude sentir imediatamente uma pequena depressao se formando, um sensacao de que vou cair em depressao se eu nao me controlar.

Eles me disseram, temos uma casa afastada, tá vazia, fica lá, escreve, le, veja filmes, descansa mais - tem um senhor que cuida da casa, vai te levar frutas frescas, ovos, tudo bem fresco e natural.

Mas, quero que eles fiquem intocados, presos na minha lembranca, no meu arquivo "de coisas boas que recebi", é um arquivo bem pequeno, mas seleto.

Por eles devo ficar até quando me senti curada.
E se eu nunca me curar, se eu ficar tao feliz e acabe morrendo aqui mesmo?
Nao posso prejudicar a felicidade deles....
Recebi muito, sem dar nada em troca - nao me pediram nada, nao me cobraram nada, nao me deram a entender que era "da cá toma lá"

De verdade foi um presente tao lindo, nao posso nunca esquece-los, por isso comecei a postagem falando deles.

Essas fotos acima sao do parquePlitvice Lakes - muito lindo, lota com turistas, é um encanto!
Veja mais fotos no link e leia um pouco mais sobre esse país de beleza natural grande, sua natureza é marcante!
Bela, bela, bela!

http://obviousmag.org/archives/2010/01/um_paraiso_na_terra_-_plitvice_lakes_croacia.html

Lora, obrigada por essa chance, esses dias que valem como séculos no meu coracao!
beijos



Back to my arms

Turquia

Após conversarmos o suficiente para que eu sentisse Faridah tranquila, e percebendo que ela precisava descansar, beijei-lhe no rosto e disse que precisava ir, tinha que ver o Addi.

Deixei-a se preparando para repousar ou cochilar, naquele momento precisava de um descanso longo e um tempo para refletir sobre tudo que estava lhe acontecendo.

Saindo do seu quarto, fui em direcao ao quarto dele, mas antes de chegar pude ver Jim acompanhado do médico e da enfermeira, todos estavam parados conversando enfrente a porta.

Gostaria de poder ouvir o que falavam, mas a distancia em que eu estava nao me ajudava a entender, nao é fácil ouvir a distancia quando outros conversam em nossa própria língua, imagina quando voce ouve em idioma estrangeiro - quem fala fluente o ingles poderia até entender, mas meu ingles nao é fluente - é um ingles que me permite apenas me "virar.

Adoraria saber mais... na verdade eu sabia muito mais, tinha vocabulário muito mais extenso do portugues e das duas línguas estrangeiras que eu tive maior contato...e isso acabou quanto tive a doenca que atacou meu sistema nervoso, já contei sobre isso inúmeras vezes no blog.

Em 2004 para 2005 estudei um pouco do árabe libanes, mas confesso esqueci tudo, se ver a palavra escrita em caracteres ocidentais posso até recordar de algo, mas na escrita árabe nao consigo manter salvo na memória mais tempo do que o tempo em que tenho contato com a palavra e seu significado.

Em 2006 estudei turco, e lembro um pouco mais de algumas palavras do turco, porque na Alemanha há muitos deles e ouvimos sempre aqui e ali esse idioma.

Porém nao consigo mais construir frases e nem mesmo manter uma conversacao, mesmo que fosse num turco nao perfeito, como faco com ingles.

O portugues, ingles e alemao, todas essas línguas que tive mais tempo em contato e exercício estao presos em alguma parte da minha memória.

Alguma parte do meu cerébro foi afetada, mas nao tive médicos interessados em saber o que aconteceu, pois meu quadro nao mostrava a eles algo que valesse a pena um estudo profundo, uma dedicacao - quando ouviam o que eu tinha e que nao é nada do que eles conhecem como "possível" de acontecer, no mínimo pensavam que sou alguem pertubada e nem sei o que estou falando.

Um dia contei a um médico alemao que nao conseguia mais lembrar da tabuada, coisa que aprendemos no primário, ele gentilmente me disse que era possível que eu nunca estudei a tabuada, já que no Brasil todos possuem uma qualidade de ensino péssima, um nível intelectual "abaixo dos macacos" - nao foi bem assim diretamente, mas deu para entender assim.

No Brasil, nao tive sucesso com os médicos também, eles so se interessam pelo que toda a medicina ensina ou exibe como "possível", nao agem assim com todos os pacientes, se sao ricos o interesse existe sim.

Ah! meu bom e claro portugues perdido para sempre!
O mesmo se passou com o idioma alemao - morto e seputado, convivo agora com um vocabulário mínimo - que me causa tamanha vergonha.

Eu conhecia muito mais palavras dessa língua, porem de repente, após a doenca eu percebi que ficou reduzido meu conhecimento.

Ficou tao limitado que me desesperei, mas depois, com o tempo, percebi que estava tendo problemas com as palavras do portugues.
Justo eu que sempre adorei a gramática portuguesa, na escola nunca tive problemas com essa matéria - mas, nao conseguia mais trazer a memória vários grupos de palavras, sinonimos, enfim, virou uma bagunca meu conhecimento das línguas que eu conhecia.

Eu me vi presa em um vocabulário pobre e pequeno da minha própria língua, e para acessar aquele arquivo vasto que eu tinha também do alemao e do ingles nao era mais possível, havia uma limitacao - a limitacao chegou a um ponto de parecer que deletei 80% dele.

Eu que antes tinha um vocabulário rico, que fui agregando no meu tempo em que vivia em Munique, e estudava a língua - dentro de casa em horas de leituras e estudos autodidáticos - nao perdia uma chance para alimentar minha memória com novas palavras...e de uma hora para outra me vi presa em tentativas de falar uma dessas línguas, o melhor que eu pudesse e nao mais falar livremente como eu antes podia.

Quando estudei alemao, eu quis conhecer e memorizar mais de 800 palavras logo no primeiro ano e me esforcava.
Nas horas de folga em casa eu lia, ou escrevia na língua alema... virou um vício, eu lia o tempo todo .
A melhor fase era ler no balanco de um veículo em plena auto estrada...meu marido dirigindo - eu lendo - ia decorando muitas palavras, frases e expressoes.

E lá estava a Fri lendo e lendo - indo pra Zurique e lendo, indo pra Austria e lendo, indo pra Itália e lendo - eu sentada ao lado dele, a música no rádio...e eu lendo.

A melhor lembranca foi no tempo que viajava dessa maneira, sim foi... lia dicionários e livros "portugues-alemao" durante as viagens que fazia com ele por toda europa, conheci a europa e ao mesmo tempo aprendia alemao.

Eu adorava aquilo - viajar com ele pelas cidades mais lindas e chiques da europa.

Visitar as lojas de grifes, transportar as roupas que modelos usariam...mulheres ricas pagariam uma exorbitancia por elas.

Algumas das pecas eram feitas em confeccoes da Itália, a preco mais em conta do que dentro da Alemanha...e no final as marcas famosas pediam um preco astronomico ao consumidores, no caso, as madames e peruas chiques de todo o mundo.

Depois de algum tempo algumas dessas griffes passaram a enviar as roupas para Polonia, e outros países com mao de obra ainda mais barata do que encontravam na Itália, ainda dentro da europa.

Até que por final seduzidos pelos precos ínfimos que lhes foram possíveis pagar nos países asíaticos, as pecas comecaram a ser produzidas fora da europa, nao todas, mas a maioria.

Antes ele nao dirigia, os motoristas faziam isso, mas depois que ele havia descoberto que fora enganado pelo sócio, após ouvir do sócio que nada lhe restava, após descobrir que nao teria chances de faze-lo pagar por tudo que o fez passar...lhe restou trabalhar como motorista da própria firma.

Passou muitos problemas, enrolado em sentimentos de decepcao, confusao sem saber o que fazer d´ali em diante - revolta, humilhacao... mesmo assim, driblando o próprio orgulho, continuou trabalhando na firma.

Firma que antes lhe pertencia...o sócio o colocou como um mero empregado se ele quisesse continuar - aquele que antes o tratava com respeito e de igual para igual, deixou-o por perto, "apensado" na firma ainda, mas reduzido a um qualquer.

Eu tinha muito problema para interpretar os sentimentos do meu marido naquele tempo, e enfrentava muitos problemas emocionais para poder entende-lo de maneira correta ou como deveria ser, mas tempos depois percebi o tudo que ele passou, como suportou tudo aquilo, como?

Hoje, vem a memória "insights" do tempo em que tudo isso aconteceu, revejo-o me contando o ocorrido, - mas nao detalhava muito o fato, e juntou-se a isso que tínhamos problemas com o idioma - até que ele passasse a entender mais o portugues, assim foi.

Antes eu e ele tivemos desentendimentos por causa do idioma, mas nao nos apercebemos disso com seriedade que a situacao exigia, ou nao queríamos nos aperceber, nao queríamos nada que indicasse que algo estava errado entre nós.

Mas meu lindo marido alemao - a beleza viva daquele homem depois daquele dia comecou a se modificar - ele teve que suportar tudo aquilo sem ter quem lhe ajudasse - teria sido meu marido covarde ou corajoso - nao tenho certeza ainda se ele fez o que fez pois queria continuar a ter chance de ir-se pro Brasil...tinha por hábito e por desejo conquistado viajar pro Brasil trimestralmente, e queria continuar fazendo assim.

Precisava do calor e das cores brasileiras; das frutas, praias, alegria e céu ensolarado do país que ele passou a amar.

Por vezes tenho certeza que foi por todos nós, mas algo mais forte em mim me questiona - teria ele feito tudo aquilo por mim e pelas minhas criancas, - que nao eram filhos deles, ou por ele mesmo que desejava sair da Alemanha a cada 3 meses?

Tenho pensando muito nisso, mas nao o suficiente para uma resposta definitiva, espero muito um dia poder pensar mais atentamente para aquele tempo, me ater aos detalhes que talvez deixei passar - com certeza as lembrancas guardam as respostas.

Ainda no corredor

Eles entraram no quarto.
Achei melhor desistir de ve-lo, daria um tempo no meu quarto... nao queria atrapalhar o trabalho do médico...ao mesmo tempo em que queria muito saber do seu estado, me sentia estranha ficar ali questionando e pertubando.
Preferia perguntar ao Jim ou a Faridah, numa oportunidade que aparecesse.

Olhei pela janela do quarto, fitava nao sei o que, pois nao via nada ou nao queria nada ver, mas ficar olhando pela janela me fazia ver um algo mais dentro de mim - o vazio.

Era vazio ou estranheza - tive dúvidas, mas veio logo a certeza que estava presa nesses dois sentimentos - minha cabeca estava como um balaio recheado de sensacoes, lembrancas, conversacao todas bem embrulhadas, nao me permitia uma análise naquela altura que me deixasse segura.

Dei as costas para a janela, nao conseguia saber o que pensar, sentei na ponta da cama... pensei em querer continuar a pensar...
Também nao vinha nada, olhei pro espelho...a minha imagem nao me reconhecia, e nem eu a ela, parecíamos duas estranhas - era a confusao de emocoes que certamente estava gerando essa divisao dentro de mim...

Sem o Addi ao meu lado eu nao tinha conteúdo, nao tinha valor, me sentia sem possuir alma, ou um algo que me desse uma direcao, um sentido, um caminho...ou mesmo um pensamento que me conduzisse a uma certeza do que eu queria fazer, pensar, sentir...

Estaria eu interpretando a minha existencia como nao possível sem Addi?
Nao tinhámos nascido unidos um ao outro, por que entao aquele sentimento que sem ele eu nao mais existiria?

E como eu podia sentir algo assim se as vezes eu me atormentava sem saber se eu o amava como ele a mim?

Presa na complexidade de minha percepcao de minha própria confusa personalidade, por fim me deitei...
Ohei para a distancia do teto que dali de onde eu estava parecia agora tao mais alto.
Aquela altura, aquela distancia - o teto está sempre assim distante, pensei ... mas so pude notar esse detalhe, quando passei a percebe-lo.

Diariamente vivendo com o teto acima da minha cabeca, nem parecia que ele existia, ou ele fazia parte de mim...nem sabia quao longe ele estava, podia ser que era infinito e eu nao sabia...mas deitada ali ele tomou proporcoes, me apercebi da limitacao que ele colocou na minha vontade de olhar pro "infinito"
O teto agora me barrava mais do que minha confusao mental....aquele teto.

Mas, por sorte que nossa mente nao esta presa na nossa caixa craniana e fui além do teto alto daquela casa, meus pensamentos voaram....eu queria me apegar a cada um deles, queria mesmo prestar atencao aos detalhes dos pensamentos que chegavam, talvez eles poderiam trazer respostas para algumas das minhas dúvidas...

Talvez poderiam me disciplinar um pouco mais, e quem sabe eu saberia me achar no meio daquela confusao presente, indesejada, penetrante e intensa.

E foi assim, brigando comigo mesmo para me prender em algum dos pensamentos que enchiam minha cabeca, que o sono lento que se acomodava no meu corpo e chegou de mansinho me tomou completamente... eu estava desvanecendo...desvanecendo....

O Celular

E sonhava com meu tempo de menina, num dia de sol que fomos para uma casa alugada, casa cercada de árvores enormes, na minha lembranca elas pareciam eucaliptos, sim eram eles, pois lembro bem daquele cheiro agradável e inconfundível dessa madeira.

A casa nao ficava muito distante da praia se fóssemos de carro...
Nao lembro qual cidade, as vezes penso que era em Maúa, mas nao creio- pois tinha ido lá algumas vezes com meu pai para pescar a noite, nao era Maúa, talvez era Sepetiba, nao lembro.

Sempre tentei lembrar qual era a cidade praiana que fomos naquele dia, sem sucesso, as lembrancas daquele dia, estao presas apenas nas cenas de quando encontrei Ivan e sua irma.

Eu tinha por volta dos 8 anos...acordei com o som das cigarras, que saudade do tempo em que ouvíamos as cigarras - o que fizeram com esses animais, porque quase nao mais as ouvimos como tempo passado.

1968 - Rio de Janeiro

Dezembro

Era tempo de férias, eu estava com 8 anos, mas em Janeiro de 1969 faria 9 anos e como eu nao gostava de festas e badalacoes escolhi uma viagem. Minha mae (de criacao), se fazendo de boazinha, decidiu que viajaríamos em dezembro, antes do meu aniversário...nao senti que foi algo que eu tivesse escolhido, mas enfim ela era a manipuladora da casa.

Como eu era diferente...aquele cabelo liso como cabelo de índio - lisinho, lisinho, com brilhos de castanho dourado, nas pontas estavam já alourado.
O sol era algo diferente de hoje em dia, ele sempre aparecia e nao havia nuvens de chemitrails para impedir sua presenca.
Exibia-se convidativo, trazia vida e alegria para todos, aliás, sol e sua beleza no Rio daquela época era sempre tao comum, apesar de sua beleza real, sua presenca era constante e comum.
O céu era sempre tao azul, o sol tao vivo, seu brilho tao intensao...

Coloquei meu short de elanca, com uma blusinha de tecido com bolinhas, era moda aquela estampa.
Acordei antes de todos, me arrumei em frente ao espelho alto, que me obrigou a usar uma cadeira como suporte, enquanto eu me equilibrava para saber se eu estava apresentável.

Prendi os cabelos num rabo-de-cavalo e a franja ficou para frente dos meus olhos, me incomodando bastante, coisa que solucionei com um daqueles conjunto de grampos, que naquela época meninas usavam muito.

Dentes escovados, roupa em ordem, tudo estava bem, poderia ir lá fora enquanto os outros acordavam....

Fiquei embaixo e uma árvore sentadinha apreciando o canto das cigarras, alimentando meus pulmoes com o ar puro e o odor agradável do eucalipto - que delícia era estar daquele jeito, pensei!

Sem ter que acordar cedo para ir a escola, sem precisar tomar cafe-da-manha e sair correndo, pois nao poderia atrasar papai, que já nos esperava na porta da casa com seu Simca Chambord para nos levar pro colégio.


http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Simca_Chambord_4.jpg

Minha mae saiu a porta uns 30 minutos depois, eu estava tao tranquila naquele ambiente de paz, que sua presenca naquele dia nao me aterrorizou como sempre fazia.

Caminhou em passos largos até chegar onde eu estava e disse - "vamos visitar uns amigos meus, enquanto seu pai vai a cidade"

Eu nao tinha como dizer "nao quero ir", eu tinha sempre que acatar suas ordens ou a punicao poderia ser devoradora.

Tudo que aconteceu naquele dia ficou sem definicao para mim, eu nao consegui entender se minha mae planejou tudo aquilo, ou se tudo que aconteceu foi atitude expontanea daquela garota.
Incrível que os anos apagaram o nome dela da minha memória, talvez a experiencia me marcou tao desagradavelmente que por isso minha mente achou por bem deletar alguns detalhes.

Algumas partes da memória, como eu disse, nao consigo mais trazer, por isso aquele dia deixou em mim um estranho, confuso e assustador sentimento - o que de fato aconteceu comigo aquele dia.

Lembro de termos adentrado a casa da família, minha mae apertou a mao do marido da dona da casa, comprimentou as criancas - eram duas criancas - o menino Ivan - que eu nunca poderia esquecer aqueles olhos suaves, esverdeados, tao meigo seu jeito de olhar, seus cabelos aloirados caindo pela testa, aquele jeito tímido dele me conquistou...
E a irma - nao consigo lembrar o nome, mas lembro da sua figura.
Esguia, um ar de rebelde, com ar de quem tudo sabe, muito ousada para o tempo, vestia-se um pouco indecente para as meninas da época.

Seu short era um escandalo, perto da mae ela nao enrolava tanto, mas bastava uns metros distante para que enrolasse a ponto de mostrar parte das nádegas.

Aquela menina tinha fome de alguma coisa, algo que parecia nao ter conseguido conquistar, ou achar e produzir satisfacao.
A menina perguntou a minha mae se podíamos passear pela redondezas, ou ir até a outra casa deles, um pouco perto de onde estávamos.

Minha mae, por gentileza ou por esperteza, me liberou, mas minha irma e irmao ela nao deixou.
Vi que ela olhava muito pro marido da dona da casa, e trocava olhares cúmplices com aquela menina assanhada...
O que ela sabia ou entendia que eu nao conseguia entender? a situacao poderia ter passado em branco para mim se....

Se nada tivesse acontecido como aconteceu

O Ivan era um amorzinho, me deu a mao para eu nao tropecar enquanto explorávamos o terreno, estávamos indo para outra casa da família deles.
Ele nao queria ir, preferia continuar a brincar comigo e a irma por ali mesmo, entre as árvores, desfrutando daquele lindo de sol, foi tao bom aquela brincadeira - eu senti pelo Ivan um carinho e afeicao, foi recíproco, percebi que ele também por mim, sentimento infantil de criancas, sem maldades nos entendemos.

Nao me senti atraida pela personalidade abusada e extravagante dela, mas ela estava atraida pela minha...minha calma, minha personalidade interiorizada, estava deixando-a mais curiosa.
Quando mais eu a evitava, mas ela se chegava - procurava sempre um pretexto para tocar-me as maos ou pernas, esbarrar no meu corpo parecia tentativa constante - tocar nos meus cabelos - me elogiava, me enchia de atencao.

Chegando na casa, no primeiro momento tudo parecia bem, até que depois que comemos coisas que nao devíamos - coisa de crianca...misturar alimentos que normalmente os pais nao permitem...eu e Ivan nos sentimos um pouco afetados- parecia que inchamos, nos cansamos depois de comer aquela "melecada" toda.

Eu e ele caimos como pedacos de madeiras no sofá, rimos como dois bobos - pois nossas barrigas estavam muito cheias.
Ela nos olhava, nao estava cheia como nós dois, tinha muita energia, queria brincar...tinha planos.
Nao queríamos, mas ela insistiu - "vamos, vamos, voces vao se sentir melhor depois que correr um pouco." E fomos brincar de pega-pega, corríamos muitos pela casa... ao redor, dentro, nos escondíamos em vários lugares, que nunca poderíamos pensar nos esconder....

Estava mesmo já me sentindo melhor...foi entao que chegou a vez do Ivan nos pegar ... e fomos nós duas nos esconder... eu e ela...
3 vezes nos escondendo e escapando dele, ela decidia onde esconder, o Ivan pensava que estávamos do lado de fora da casa e se dirigiu para a casa de trás, casinha onde eles guardavam materiais.

Mas, ela me disse para irmos para dentro de casa...ele nunca nos acharia...mas eu desejava tanto que ele me achasse...nao queria ficar perdida para sempre, ele era tao legal, eu gostava tanto dele.
Ela, com seus 13 anos para 15 anos, me levou pro quarto, fomos para debaixo da cama, ficamos uns 12 minutos mais ou menos, e logo ela me disse que ele nao viria, podíamos sair.

Pensei que iríamos para ele, mas...eu fiquei tao surpresa com sua atitude, aquela aproximacao, aquele jeito de me conduzir.
Nunca tinha tido contato com alguém do mesmo sexo que tivesse pretensao sexual, eu era apenas uma menininha de 8 anos de idade...
Já sofria abusos do avo, da mae de criacao, mas nao sofria ainda de alguem do mesmo sexo, e muito menos de uma adolescente.

Nao sei como ela estava me tocando, nao sei como conseguiu comecar, e eu nao queria, me incomodava.
Ela me jogou na cama em tom de brincadeira, e deitou-se ao lado...tocou meus lábios com os dedos, passava os dedos contornando meus lábios e falava alguma coisa que eu nao consigo lembrar enquanto continuava a contornar.
Lembro do jeito seguro dela, de alguem que estava acostumada a ser a cacadora, aquela que fazia o piao rodar... tocava meu corpo de menina, nem seios ainda tinha, nada do que acontecia me dizia alguma coisa, apenas uma sensacao de que Eu nao gostava e nunca iria gostar do que ela tentava fazer, a brincadeira nao me agradou.

Ela veio próximo do meu rosto e beijou-me, eu dei um pulo e nesse mesmo momento Ivan entrou, o que foi uma grande sorte minha.
Ele disse para ela que nao iria perdoar que ela estava fazendo as coisas nojentas de novo, e ele queria brincar, ameacou contar pro pai e ela foi atrás.
Pelos gritos, percebi facilmente que ela batia nele, nao deveria contar nada, certamente ela o ameacava.
Com certeza ele já a tinha visto fazer a mesma coisa com outras amiguinhas...

Aproveitei para ir embora, sai aos tropecos, correndo pelo caminho que antes eu tive a maozinha amiga do Ivan me conduzindo para nao me deixar machucar.
Nao entendia nada do que aconteceu, e nao queria entender, tudo que senti era que aquilo tudo me dava a mesma dor, o mesmo sentimento de quando minha mae me torturava com sua atitude sádica, ou quando ela deixava meu avo cego abusar de mim o quanto quisesse, e ela fazendo vista grossa.....

Cheguei em casa e meu pai já tinha chegado, e ele queria saber o que aconteceu, mas nao conseguiria contar nada, pois o olhar da minha mae já me avisava que eu nunca podia contar nada a ele, nunca...eu tinha sempre medo, vivi anos da minha vida com a sombra do medo.
Eu sabia que somente ela podia saber das coisas que me passava, que eu pensava ou sentia.
Ela queria ser dona da minha vida, e ela assim foi durante muitos anos.

O sonho nao aconteceu como outros sonhos, ele nao modificou a verdade - parecia uma camera filmando ou mostrando um video que foi filmado naquele dia, com aquelas duas criancas...

O sonho repetia a verdade, a alteracao estava apenas nas cores mais escuras dos lugares, ou nas feicoes da minha mae. No sonho ela aparecia com feicoes sempre sádica, como se risse antecipadamente de algo que iria praticar.
Quando tinha sonhos que aconteciam como lembrancas pertubadoras eu me sentia presa no passado, parecia que estava dentro de areia movedica, sempre que tentava sair, mais me aprofundava.


Acordando...

Voltei a mim, - me senti acordar, mas acordei choramingante...como se fosse aquela menininha presa em algum lugar, ainda sentindo as dores da sua vida sem sabor..
Percebi que estava na Turquia ... era tudo sonho...nao estava se repetindo meu sofrimento.
Tentei me livrar da sensacao de ainda estar sonhando...mas, ainda sentia as mesmas dores do passado, pois esse passado nunca foi trabalhado de fato dentro de mim.

Criancas nunca devem sofrer nenhum abuso, senao nunca teremos uma sociedade com adultos felizes e capazes de desenvolver o potencial total como Seres humanos e cidadaos.
Pessoas que foram criadas com amor, que nunca sofreram nenhum abusona infancia, sao pessoas saudáveis em todos os sentidos - geram e produzem mais amor, dignidade, respeito para si e para os demais.
Se tornam eixo inabalável de uma sociedade, se tornam em pilares do amor, igualdade e justica.

Suspirei e caminhei para o banheiro, precisava lavar meu rosto, tirar as marcas do passado que apareceram de novo no meu semblante...tirar aquele gosto de dor d´alma.

Mas, o celular tocou...

Peguei-o pensando que era mais umas daquelas mensagens do Tarek - mas o número indicado era do Addi, como poderia ser se ele estava dormindo?
Atendi com ar de dúvidas, mas bastante curiosa, queria saber quem poderia estar usando o celular dele.
Talvez Jim pegou na cabeceira da cama do Addi e pressionou o meu número, talvez ele bateu na minha porta e eu nao abri, porque estava dormindo, muitas coisas me passaram pela cabeca....mas, enfim atendi - " alo"

-Fri, honey where are you, I miss you by myside, come here...
(Fri, meu bem, onde voce está, eu sinto sua falta, vem aqui...)

-Addi, Oh! you ever wake up, I thought you were sleeping...oh! Im so happy, Im going, wait, Im going....
(Addi, Oh!, voce já acordou, eu pensei que estava dormindo...oh! to feliz, to indo, espera, eu to indo....)

E rindo, com aparente alegria e satisfacao, sai em disparada pelo corredor... queria abraca-lo, toca-lo, ouvi-lo, saber o que pensava, queria...queria qualquer coisa que ele pudesse fazer, olhar, me contar...

Ele voltou pros meus bracos, ele acordou, eu me repetia enquanto me ajeitava para dar a ele uma boa impressao.

Minha vontade de viver voltou, assim como num passe de mágica eu me sentia de novo viva, me sentia sendo a mesma Fri que sempre estava existindo quando perto dele, a mesma Fri estava ali.
Que saudade daquela "Fri", nao sabia que um dia aquela "Fri" ficaria sozinha e deixaria de existir!

Andava pelo corredor com todos os meus sentimentos voltados para ele, uma das funcíonárias da casa estava no corredor limpando os móveis, seu celular, sobre um dos móveis, tocava a música "just a look"....essa cancao me deu uma vontade imensa de estar com ele de volta ao Marrocos.
Senti que deveríamos ir embora, ficar sozinhos no nosso ninho, queria tomar cafe-da-manha de novo no coreto, brincar com nosso caozinho, nosso gatinho...queria simplesmente voltar!



Continua......

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